terça-feira, 14 de agosto de 2012

Não se anime mode eu ir

Sempre que avisto a beira do riachinho seco, quando, sôfrego, desço o Alto do Caboré, encho-me de boas sensações, de prazeres sutis que me levam até o terreiro de casa. Aquele rápido percurso, feito cautelosamente, mas com meu coração nutrido de alegria e benevolência, é uma artéria sentido sul-norte, sinuosa nas extremidades, que, redundantemente, diz-me chegar no lugar. Antes daquel primeira descida, me aborrece o sol, mas confesso: quando passo em frente às casas, vendo sentadas nas portas da frente, as senhoras diárias ou as senhoritas de costumes intermitentes que sobrepõem-se à redes armadas, fazendo destas, espécie de plano de fundo, esqueço, despercebo a febre daquele sol do meio dia, ou como nós mesmos dizemos ali, o sol d'ameidia. 

Debruço os olhos em cada visível recanto do meu lugarzinho onde me crio. Vejo ali uma sociedade onde indivíduos sonham sonhos diferentes, todavia comuns no seu âmago; esxistem certas desavenças, mas creio que sociedade se sustenta com idas, vindas, paradas, bloqueios, dúvidas, amores e conflitos. me digam: que grupo compartilha unicamente das mesmas experiências, das mesmas dúvidas, dos mesmos desejos, das mesmas ideias, das mesmas perspectivas? Não duvido que haja um. Duvido, sim, que vós dizeis-me. E se existe tal grupo com tais semlehnaças, não existe um que tenha as mesmas reflexões e opiniões. Aquele vilarejo não é o melhor lugar do mundo, mas também não comporta os piores dramas, que dão à vida sua instância melancólica.
Todas as casa parecem que são casas minhas: posso adentrá-las, penetrá-las pelo oitão, pela cozinha, posso mirál-las pelas janelas laterais e gritar para os sujeitos, dando o recado que trouxera de alguém. Logo, de cima da moto, naquele sol que me queima sem que eu me importe, recebo, ao "pingo-d'ameidia", um convite sonoro: "Ei, entre, veha tomar um cafezinho!"

Agora, digam-me vocês, sinceramente: vocês acham que meu coração exagera? acham que meus sentimentos me traem? vocês acham que eu não vivo num pedacinho de terra tão aconchegante. E como diria Jessié Quirino, grande poeta paraibano, com seu Argumento de um velho sertanejo:


Mode as modas de hoje em dia
Mode os modos de falar
Mode os amuo dos besta
Mode os presepe de lá
Mode estrupiço dos tempos
Mode eunão me amedronhar
Mode os pi-bite das rua
Mode as mutreta que há
Mode as falta de um bom-dia
Um boa noite, um olá
Mode assalto, mode tiro
Mode as fumaça do ar
Mode eu não ter desgosto
Ou mesmo me ressentir
Não se anime mode eu ir
Que eu não deixo esse lugar.

Poema retirado de QUIRINO, Jessier. Prosa morena.  Recife: Edições Bagaço, 2005.  128 p.

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